sábado, 1 de maio de 2021

Dica de Filme: Soul

SINOPSE

Joe é um professor de música do ensino médio apaixonado por jazz, cuja vida não foi como ele esperava. Quando finalmente parece que as coisas irão se ajeitar, ele sofre um acidente e viaja a uma outra realidade, onde acaba conhecendo e ajudando outra pessoa a encontrar sua paixão, descobrindo assim o verdadeiro sentido da vida.

Sob o olhar da Psicologia:

Mais um filme maravilhoso da Pixar! E quanto conteúdo incrível para abordar psicologicamente! O filme gira em torno de Joe e 22, mas são tantos personagens com características analisáveis, que vale ressaltá-los também. 
  

O filme inicia com a inspiração que Joe sente ao ver alguém entregue a música. Aborda também a expectativa da mãe e da família para ele, cobranças excessivas e o não apoio para seguir um sonho, priorizando o conforto e a estabilidade da carreira de Professor. 

(Quantas vezes nos deparamos com a mesma situação? Expectativas, tradições e crenças familiares que confrontam diretamente nossas vontades?) 

Quando é promovido na escola, não consegue sentir-se feliz ou realizado. (Que reflexão isso pode nos trazer?) Em contrapartida, finalmente tem a oportunidade da sua vida para tocar com uma banda famosa e realizar o seu sonho. Fica tão extasiado que acaba "cegando-se", sofrendo um acidente que o leva para o "Além vida". Uma semelhança incrível com o que acontece conosco quando ficamos obcecados por algo. Não enxergamos mais nada ao nosso redor, caímos no "buraco" e afundamos em ansiedades, frustrações e medos, sem conseguir reconhecer ou entregar-se a tantas outras coisas boas existentes. 

Dorothea Willians, a famosa musicista de Jazz, é arrogante e o despreza por ser professor de escola. Vemos nitidamente um perfil que não se interessa pelo outro, não passa a música, não ensina ou comunica nada, é voltada unicamente para si e acaba se surpreendendo com o talento de Joe, que se entrega verdadeiramente a música, atingindo um estágio sublime de sua consciência. Há pontos a ressaltar como a exigência de um terno caro para a apresentação, e o perfil Narcisista da musicista. 

Quando Joe acorda no vazio, seguindo para o "Além vida" sente medo e tenta ir embora. Apavorado, surpreende-se por outras pessoas não estarem assustadas. Aqui, podemos identificar o medo do novo e do desconhecido, mas também a revolta e a não aceitação do término de sua vida "bem no auge". 

Cabe mais uma reflexão a respeito deste fato, cair no buraco ocasionou o despertar de Joe. Ao não aceitar a situação, ele luta contra as circunstâncias e acaba caindo no "Pré vida", que mais uma vez pode ser um representativo de nosso inconsciente, uma ida para acessar as nossas memórias e ressignificar todas as nossas crenças e valores.     

(Quantas coisas aceitamos e nos acomodamos por medo de tentar?) Embora a gente não possa controlar todas as coisas ao nosso redor, sempre temos escolhas. Quando Joe foge do Além Vida, ele parte em busca da sua evolução. Ao modificar nossos caminhos e atitudes, mudamos também nossas experiências e resultados. 

Ao chegar no Pré Vida, Joe se depara com um lugar onde todos são esteticamente iguais. Os bebês possuem apenas aptidões diferentes. A menção de figura de "autoridade" como vários "Zé's", pode ser uma representação de espiritualidade, que embora existam várias crenças e religiões, no fim a figura “suprema” sempre será a mesma.  

Ainda no Pré Vida, a criança precisa construir sua personalidade e descobrir sua missão antes de ser enviada para a Terra. Aquilo que aprendem, as conexões que fazem, os interesses despertados, é justamente o que molda sua forma de ser e de viver.  

Na animação fica claro que nossa vida começa muito antes do que imaginamos, e pode-se considerar que já estamos vivenciando experiências e construindo nossas características antes mesmo do nascimento. 

Boa parte da nossa personalidade adquirimos no meio em que vivemos, mas boa parte é formada desde a gestação. E isso é o que nos torna únicos, as vezes passamos tanto tempo olhando para as outras pessoas que esquecemos a infinitude de qualidades que temos. 

Vemos muitas crianças sendo direcionadas para a área de inseguros e mais ainda para a área de egocêntricos, nitidamente uma crítica e uma "alfinetada" aos padrões de personalidade cada vez mais apresentados atualmente.  

O que Joe mais deseja é voltar para a vida para seguir a sua tão sonhada vocação. Já 22, por outro lado, tem uma pulsão completamente distinta: tem receio da vida na Terra e tem medo de não saber o que a motiva, preferindo afastar todos os mentores que se aproximam, ressaltando que é seu pior pesadelo e o quanto todos eles a odeiam. Contenta-se com uma vida não incrível, para não sair da zona de conforto. 

Joe assiste a sua vida relembrando como surgiu sua paixão por Jazz, sob influência do pai, e quantos não’s recebeu desde então. Questiona que não era assim que se lembrava destas experiências, mostrando como podemos manipular nossas memórias de acordo com o que acreditamos ser melhor para nós. Sente-se triste e solitário. 

É ao ser mentor de 22  que Joe acaba amadurecendo e aprendendo a ouvir o outro. A cena em que o músico de jazz entra no barbeiro que frequentava há anos para cortar o cabelo é exemplar para ilustrar esse processo de aprendizado. 
Apesar de ser um frequentador assíduo do salão, essa foi a primeira vez que Joe escutou a história de vida do barbeiro amigo, descobriu o seu desejo de se tornar veterinário e o destino que o levou à barbearia. É somente graças à 22 que Joe deixa momentaneamente de lado a sua obsessão por jazz e é capaz de se conectar verdadeiramente com o outro. Além de passar por mais uma transformação, a tempos Joe não mudava seu estilo, vivia de maneira limitada e acaba surpreendendo positivamente todas as pessoas ao apresentar tal mudança. 

A animação traz uma reflexão extremamente atual: Dizem que você nasce para fazer algo, mas como saber se você está vivendo o seu sonho ou o sonho de outra pessoa? 

Vale trazer uma observação sobre o personagem Paul, este, está sempre diminuindo as outras pessoas, as criticando justamente por não conseguir lidar com seu sentimento de fracasso.  

 

22, que tinha medo da vida na Terra, medo de não saber andar, relatava não sentir-se pronta pra encarar a realidade e sair do “hospital”, ao permitir-se, vivencia os pequenos prazeres da vida e as alegrias que muitas vezes passam despercebidas: comer uma fatia de pizza, chupar um pirulito ou ouvir um músico no metrô. 



A cena em que Joe questiona o interesse de 22 por música dizendo que ela só ficou interessada por estar no corpo dele, aborda o quanto nossas características genéticas também podem influenciar na formação de nossa personalidade. 

No Pré Vida, a personagem tenta várias coisas, mas não consegue sentir prazer em nada. Pelo menos, não até vivenciar estas coisas de verdade. Cabe a nós respondermos: Quantas coisas vivemos superficialmente? 

É um filme que retrata também quão negativo pode ser ficarmos obcecados por algo. Na animação, quando os humanos ficam fissurados partem para outra dimensão, física e espiritual. Perdem-se em depressões e ansiedades e não são mais reconhecíveis. Viram “monstros”, almas perdidas, desconectando-se de sua mente e corpo, claramente nos vinculando a nossas dores psicológicas. Aborda também as nossas escolhas profissionais, no filme, uma alma perdida retorna com o auxílio do Bicho Grilo, e demite-se, para finalmente sentir-se livre e consciente de si. 

Muitos de nós nos limitamos a nossa profissão, quando alguém pergunta quem é você, o que você faz, sempre nos resumimos a nossa profissão. Claramente, nossa relação com a vida profissional tem um impacto muito grande em nossos anseios e desejos, e se estamos em algo que não nos encontramos, inevitavelmente, nos perdemos. 

Bicho grilo é outro personagem interessantíssimo. Ajuda as pessoas a se encontrarem, as salva, mas em “seu mundo” não encontra valorização e reconhecimento. Ninguém entende sua arte, mesmo fazendo coisas extraordinárias. Mantem-se desconectado da realidade atual como forma de não sofrer com as interferências externas. Possui um trabalho para sustentar-se em nosso mundo, mas em seu interior a vida é muito mais ampla, possui muito mais significado, e outro propósito que não seja apenas o de sobreviver, e sim o de ajudar.  

Quando Joe tenta retornar a qualquer custo, ele e 22 acidentalmente caem em corpos trocados, uma representação do famoso ditado “a pressa é inimiga da perfeição”. A afobação de Joe faz com que não atinja o seu objetivo final, ocorrendo uma sucessão de erros pelo trajeto. Erros que o levam a uma melhor compreensão de si, ressaltando também que toda experiência é válida, basta sabermos como aproveitá-la. 

Ao olhar dentro da mente de Joe, 22 diz encontrar apenas Jazz, Jazz e Jazz. Joe também apresenta uma preocupação excessiva com a musicista. 

Na aparição de Cony, uma aluna que se autossabota o filme inteiro (mesmo tocando muito bem, está sempre querendo desistir e pedindo para que Joe a diga que é isso o que tem que fazer), em uma conversa com 22, no corpo de Joe, Cony ouve todo o ponto de vista de 22 a respeito da desistência e do propósito de nossa vida, e só assim, resolve contrariá-la e seguir seu coração. Às vezes, só precisamos refletir um pouco mais a respeito e então percebemos que a resposta sempre esteve dentro de nós, independente do que a outra pessoa diga, e mesmo que seja aquilo que queríamos ouvir inicialmente, só ao falar, entramos em contato com a nossa verdade.  

Terry também é um personagem interessante, sua função é contabilizar as mortes no Além Vida. Este, também é tão obstinado que não tem amigos, nem tempo para conversa. Faz o seu trabalho de forma minuciosa, e não permite erros. Fica tão obcecado em buscar Joe que “mata” acidentalmente uma pessoa “inocente”, o devolvendo para a Terra nitidamente com traumas pela experiência ocorrida. Não é abordado, mas dá para fazermos uma analogia do quanto as experiências e atitudes das pessoas podem nos impactar diretamente, e que é preciso encontrarmos uma forma de lidar com tudo isso e sobreviver, apesar de. 

Terry exige reconhecimento, troféus, só sossegando quando alguém o faz. E os “Zé’s” fazem, talvez em uma tentativa de ajudá-lo, ou apenas pará-lo.  

É interessante notarmos também que Joe corre para a mãe em um momento que precisa de ajuda. Diz claramente que só ela pode resolver e ajudá-lo. Mas parte com o intuito de enganá-la. Tem medo de encará-la, sente-se um fracasso para ela.  

Quando 22 confronta a mãe, fingindo ser Joe, e dizendo exatamente como ele se sente, as coisas começam a se resolver. Ambos se entendem, expõem suas dificuldades, medos e traumas, e conseguimos ver porquê a mãe não incentiva o sonho do filho. Após a conversa, ela o apoia e mostra todo o seu orgulho, deixando claro que as vezes, a gente só precisa parar para ouvir e ser ouvido.  

Joe compara o sentimento de ter isso resolvido ao Jazz, menciona que é assim que se sente Jazzando. 

 

22, segue encantando-se com coisas simples, uma criança brincando, uma folha caindo, borboletas, mostrando que o maior prazer da vida está na simplicidade. Ao ser questionada sobre o que achou da Terra mostra coisas que guardou e que foram importantes e simbólicas para ela, ressaltando nossas experiências e coisas que guardamos sobre cada uma delas. Quando 22 percebe a importância da vida, foge de Joe, querendo encontrar seu propósito, e cai novamente na “escuridão”, talvez como uma forma de mostrar-lhe que estava no caminho errado. Ao chegar no Pré Vida, a 22 percebe que conquistou o seu passe para a Terra, mas não sabe o que definiu a sua missão. Ao sentir-se sem propósito fica deprimida e perde-se.  

Joe consegue mostrar seu talento, mas ao finalizar sua apresentação não sente a emoção que esperava. Fica feliz pelo orgulho das pessoas, mas sente-se confuso ao ver que aquilo não era como ele imaginava. 

É feita uma analogia sobre um peixe, que está a procura do oceano e mesmo todos lhe dizendo que aquilo era o oceano, ele dizia que não, que era apenas água, e continuava a procurar. Conseguem perceber a semelhança com nossas vidas? 

Zé esclarece que missão não tem nada a ver com propósito e ri. Ã‰ mencionado que na escola da vida a experiência é única. E de fato, é. Assim como no Pré Vida, você também só "sai" do inconsciente quando descobre o que te move. Qual o sentido da vida? Qual é o nosso propósito? 

É somente com a companhia um do outro - com a capacidade de questionar e tirar o outro do lugar - que Joe e 22 aprendem qual é o sentido da vida, quando os protagonistas acabam por abrir mão daquilo que já têm e decidem ir em busca de outro destino, diferente daquele que inicialmente imaginavam para a própria vida. 

A figura de Joe acaba por se assemelhar a figura de um pai, que ajuda a despertar o melhor dos seus filhos e os empurra para frente, mesmo sabendo que não poderá estar ao lado dele até o fim de sua caminhada, mas oferece proteção durante o máximo de tempo que puder estar. 
Tal como numa relação de pai e filho, entre Joe e 22 há profundos aprendizados nos dois sentidos: 22 ensina Joe a experimentar o mundo com outro olhar, enquanto Joe protege 22 e a estimula a crescer e a experimentar coisas novas. 


 
Joe simboliza todos aqueles que levam a sua ambição muito à sério e, por terem um objetivo estabelecido, tornam-se obsessivos e não percebem a beleza no percurso, nem se abrem para novas possibilidades. 22 representa o medo do novo e a acomodação em uma zona de conforto. 

Ao longo do filme percebemos que o fato de sentir-se perdida, sem nenhum propósito ou vocação, está muito ligado à falta de autoestima, ao fato de outros "mentores" terem a diminuído, minando sua confiança. Repetia constantemente em sua mente memórias e frases que a machucaram ao longo da "vida", repetições como "você nunca vai conseguir, não é boa o bastante, não vai encontrar sua missão", e só liberta-se disso ao receber estímulos positivos, através de Joe, que a inspirou e a trouxe segurança.


 

Por fim, compreendemos que nossa missão nada mais é do que VIVER.

E que diferentemente de missão, pode existir muito mais do que um propósito em nossas vidas. A mensagem do filme é justamente essa, compreender a importância de nossas ligações, o poder que exercemos na vida do outro, a nossa incrível capacidade de influenciar pessoas e ajudá-las a encontrar um caminho todo seu, porque assim como no jazz, a vida é sintonia e improvisação.


PALAVRAS-CHAVE 

Relações afetivas e familiares, perdas, luto, morte, memória afetiva, propósito, missão, autoconhecimento, subjetividade, ressignificação, crenças e tradições.